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"Galinha recheada:
-uma galinha assada com recheio de lentilhas, cerejas, queijo, cerveja e aveia guarnecida com um molho de farinha de rosca de 'pandemayne' (pão branco fino), ervas e sal misturado com 'Romeney' (vinho de malvasia)"
Restaurante gourmet? Nova receita do chef Antonio? Luciana preparando o jantar da visita que irá receber?
Não, um prato comum nos jantares reais da idade media.
Casa - pag. 44
Ainda do livro.
" Os egípcios faraônicos haviam usado cadeiras, e os gregos antigos refinaram-nas até atingir uma perfeição elegante e confortável no séc. V a.C. Os romanos as levaram para a Europa, mas após a queda do Império - durante a assim chamada Era Negra - sua cadeira foi esquecida. É difícil identificar seu reaparecimento, mas até o sec. XV, as cadeiras haviam voltado a ser usadas. Mas que cadeira diferente! O Klismos gregos tinha um encosto côncavo formado para o corpo humano e pernas chanfradas que permitiam que as pessoas se inclinassem para trás. A postura confortável de um grego despreocupadamente recostado, com o braço sobre as costas baixas da cadeira e as pernas cruzadas, é considerada moderna. Uma posição dessas não seria possível na cadeira medieval, que tinha um assento duro e reto e um encosto alto e vertical cuja função era mais decorativa do que ergonômica. Durante a Idade Média as cadeiras - até as cadeiras de braço parecidas com caixas - não eram projetadas para serem confortáveis, eram símbolos de autoridade. Tinha-se que ser importante para sentar numa cadeira - as pessoas que não eram importante sentavam-se em bancos.
Uma pessoa merecia uma cadeira se sentasse reta sobre ela: ninguém jamais se recostava."
Neste ponto percebemos que a regra até há pouco tempo continuava rígida e válida. Qualquer jovem senhora que fez Socila (curso para jovens meninas que queriam saber se comportar em sociedade. E para qualquer aspirante a miss era curso obrigatório - além da leitura de "O pequeno príncipe", obviamente) sabe disto muito bem. Minhas amigas feministas pensam em levantar os cartazes. Os homens se refastelam nas cadeiras, a mulher, impecavelmente, tem que manter a costas erectas, longe do encosto e as pernas cruzadas sob o assento. Tentem fazer isto mesmo que seja só por 15 minutos.
A imagem que se formou pra mim foram as cadeiras do arquiteto e designer escocês - Charles Rennie Mackintosh (1868-1928). Apesar de serem peças do final do século XIX e início do XX, fizeram imenso sucesso nos anos 80 com a pós-modernidade, o estilo memphis e os yuppies querendo gastar seus milionários salários.
O passar a sentar-se em cadeiras leva a civilização , mais cedo ou mais tarde, levar em consideração a questão do conforto. "Mesas e cadeiras, ao contrário, por exemplo, das geladeiras e das máquinas de lavar, são um refinamento, e não um utilitário".
A questão de projetar móveis não está ligado apenas a técnica (como construir), mas também ao cultural - como será o seu uso?
"A cadeira correspondia à maneira como as pessoas queriam sentar. Na Idade Média a função primordial da cadeira era cerimonial. O homem que sentava nela era importante - daí o termo 'chairman' (homem da cadeira, homem importante), em inglês - e sua postura alta e digna refletia a sua envergadura social".
Aí o rapazinho lá do fundo da sala levanta a mão e diz: mas nos já evoluímos muito. Sim, podemos responder quase todos. Mas como é mesmo a cadeira do seu chefe de departamento? A do dono da empresa? A do juiz? (não esquecer que alguns se acham deus) Tá, a da bisavó da Charlotte vocês irão dizer que tem motivo pra ser diferente. Ou pra parecer mais moderninho - GOT.
Com a cadeira servindo outros propósitos - sentar para comer, escrever etc - a postura foi mudando, embora lentamente.
Nas cortes de Luís XIV e XV iremos ter alterações ainda maiores. Devido aos interesses hedonistas, da corte de Luís XV, que começaram a surgir móveis confortáveis. Não podemos desconsiderar , neste caso, a influência da grande burguesa Jeanne-Antoniette Poisson, mais conhecida como Mme. de Pompadour, amante do rei, teve sobre ele nesses assuntos (dados acrescentados especialmente para a minha amiga Luciana - leitora eventual do blog - que irá reconhecer nela uma Biscate).
NB - ainda tem a regrinha, segundo consta, que para ser considerado efetivamente um designer tem que projetar uma cadeira.
Continuando a leitura de Casa - Witold Rybczynski (texto original de 1986 e publicação brasileira de 1996).
Sua referência de residência é a dos burgueses.
"O que remete o burguês ao cerne de qualquer discussão sobre conforto doméstico é que, diferente do aristocrata, que vivia em um castelo fortificado, ou do clérigo, que vivia em um mosteiro, ou do servo, que vivia em um casebre, o burguês vivia em casa".
Comparando com o habitar hoje podemos perceber que houve várias alterações numa visão global e na definição do habitar.
Algumas mudanças são óbvias - os progressos do aquecimento [conforto ambiental, diriam os mais contemporâneos] e da luz que se devem às novas tecnologias. Nossos móveis para sentar ficaram muito mais sofisticados e mais bem adaptados ao relaxamento e outras mudanças são mais sutis - o modo de usar os cômodos, ou quanta privacidade eles conferem.
A casa da idade média era um local público - as pessoas moravam e trabalhavam no mesmo local.
"Era pouco provável que alguém do sec. XVI tivesse seu próprio quarto. Foi mais de 100 anos mais tarde que surgiram os cômodos onde os indivíduos pudessem ficar a sós - eram chamados de 'privacidade'."
"Os interiores das casas medievais restauradas sempre parecem vazias. Os grandes cômodos só têm poucos móveis, uma tapeçaria na parede e um banco ao lado da lareira. Este minimalismo não é uma artificialidade moderna; as casas medievais eram pouco mobiliadas." Os móveis daquela época não eram complicados e a maioria desmontáveis ["As palavras francesa e italiana para mobília - mobiliers e mobília - significam, como a palavra portuguesa, 'o que pode ser movido'."]
Depois desta descrição fiquei pensando que uma das mudanças em relação aos nossos dias seria a compartimentação dos espaços (sala/cozinha/quartos...), mas, ao mesmo tempo, não é raro hoje em dia ouvir alguém dizer - eu gostaria muito de ter um loft.
Outra grande diferença seria o conforto.
" A palavra 'confortável' não se referia originalmente ao prazer e à satisfação. Sua raiz latina é confortare - fortalecer ou consolar - e este significado se manteve durante séculos.
Sucessivas gerações expandiram o sentido de conveniência e finalmente 'confortável' adquiriu o sentido de bem-estar físico e de prazer, mas isto só ocorreu no século XVIII.
Sir Walter Scott foi um dos primeiros romancistas que usou este novo sentido quando escreveu: 'deixem o mundo congelar lá for, aqui dentro está confortável'."
NB - Drops Corporation não é responsável pelo texto, pelo português ruim
ou pelas vírgulas fora do lugar.
Só é responsável por colocar a cultura ao meu alcance.
A Drops Corporation todo o meu reconhecimento e agradecimentos.